segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A MTV Brasil acabou porque não era fundamental para ninguém. Formou muita gente, inspirou tantos outros. Deixa saudades e um legado. Não fará falta. A MTV não era mais importante para o jovem brasileiro. Talvez não pudesse ser mesmo. A nova geração é do sertanejo e do funk. Rock é museu de grandes novidades - qual era a idade média dos headliners deste último Rock in Rio, 55 anos? Se vai a esses megafestivais como se vai à Disney, à micareta ou Oktoberfest.

Uma fatia mínima da rapaziada valoriza a transgressão. Os poucos que topam se arriscar não têm trilha sonora. As bandas brasileiras que restam fazem rock para poucos, para cada vez menos. Isso quando fazem rock. Os incensados pela crítica são andrajosos choraminguentos, rappers de reclame de celular, ou a trilionésima cantora eclética do circuito Sesc. Quando não tropicalistas senis...

Os VJs do início da MTV
 
A MTV também não era mais importante para a Abril. Foi um grupo de comunicação com pretensões múltiplas. Teve canais de tevê, era sócio do UOL, teve gravadora, distribuidora de vídeo, eventos, quase comprou jornais, quase isso e aquilo. Hoje é uma editora, com o quase monopólio do mercado brasileiro de revistas, e um grupo educacional, dono de escolas e sistemas de educação. Na editora, só um produto é fundamental, Veja.

Não que a MTV tenha sido algum dia fundamental de verdade para a Abril. Mas compunha, dentro de um grupo de tamanha ambição, e ornava com o jeito e gosto de Victor Civita Neto, o Titi, então jovem, como eu. Lembro de minha surpresa quando entrou o magrão barbudo na redação da Bizz, uma manhã qualquer de 91, 92? Com uma menina descabelada, Cali Cohen? Eu, pateta, nem fazia ideia que ele era um dos herdeiros da Abril... e foi ele talvez o principal campeão da MTV Brasil, ou pelo menos a única pessoa com influência real dentro da Abril a defender as maluquices da MTV Brasil, onde se aprendia a fazer TV pra jovem fazendo.

Os loucos tinham tomado o hospício. A MTV nos seus primeiros anos era o novo em estado bruto, a novidade de camisa de flanela. Pop e divertida, mas rescendendo a rebeldia. O rock da época era Nirvana e o grunge e era o som de Manchester. O pop era novo, hip-hop, dance music eletrônica e sampleada. Uma nova geração de bandas brasileiras botava os velhos pra correr - Raimundos, Planet Hemp, Skank, Chico Science e outros. E a chegada dos CDs botava em circulação pela primeira vez toda o passado do rock.

Foi isso tudo e mais. Foi a sensação de que enterrávamos de vez a ditadura botando Fernando Collor pra fora da presidência. Foi a confiança que ganhamos quando vencemos a inflação. Foi o poder de compra que ganhamos com o Real. Era a onda perfeita, e sorte de quem era muito jovem naquela hora. Eu larguei meu emprego, dia primeiro de agosto de 1993, para montar uma revista independente. Tinha 27 anos. Por quê não?

A MTV soube refletir essa embriaguez moleca. Sempre foi mais agressiva e "artística" que a MTV americana. E no comecinho era vista por pouquíssima gente, só jovens urbanos de classe média alta. Se posicionou com clareza como "vanguarda", o que quer que isso significasse. Mas, e é um mas importante, sem se isolar em um gueto de hipsters.

Os VJs, faces do canal, eram caras como os caras que assistiam, ou meninas como as meninas que assistiam - um pouquinho mais bem vestidos e maquiadas, e só. Alguém que o espectador podia ser, ou podia almejar a ser, ou almejar a namorar, porque próximos. Com o tempo, a MTV passou a falar com mais gente pelo Brasil afora. Era o primeiro veículo de comunicação a impactar nos jovens brasileiros do Oiapoque ao Chuí. Exportava civilização; conectava a garotada dos rincões com o mundo. Fazia isso com o filtro de São Paulo, onde nosso país está mais ligado ao planeta, e não do Rio, umbigo do Brasil. Essa postura cosmopolita e democrática foi abandonada no século 21, com a proliferação de apresentadores e conteúdo que só faziam sentido em um círculo muito restrito, e provinciano, de São Paulo.

Fábio Massari

Não que a MTV da última década não tenha tido acertos. Teve e muitos. Mas abdicou de ser a voz da geração que cresceu com ela e nem tentou ser relevante para a geração que veio depois. Para isso, precisava alguém ali entender que agora a comunidade era o business, a internet era a liga e a TV, a ponta do iceberg. E mesmo que algum louco tivesse essa visão, precisaria de muito mais investimento e liberdade do que a MTV Brasil dispôs nos últimos anos. Era uma marca licenciada, afinal. Era outro momento, para o mundo, o país e a Abril, bem mais conservadora em 2013 que em 1990.

É lugar comum dizer que a MTV, que parecia ter decifrado o código genético do jovem planetário, perdeu a oportunidade de ser um dos gigantes da nova era digital. A MTV poderia ter criado o MySpace, ou o YouTube, ou ter uma rede social que unisse a rapaziada de todas as latitudes, e por aí vai. É bobagem. É superestimar a capacidade das grandes marcas se reinventarem, ou das grandes empresas abraçarem o novo. Só é novo se for o risco. Mas a MTV, gringa e brasileira, podia ter sido mais que foi. Quando a MTV Brasil passou a perder comediantes (!) para as outras emissoras, já tinha passado a hora de mudar de canal.

Morre esta MTV, nasce outra MTV, pelas mãos da Viacom, a corporação que fez da marca o que ela é. Boa ou ruim, será só mais uma opção no controle remoto, em uma época que a rapaziada nem zapeia mais. A MTV Brasil não fará falta, porque TV nenhuma faz falta para quem é jovem. É um meio unidirecional, passivo, prolixo, redundante. Ontem assisti a estréia de uma nova série, com meu filho de nove anos. Foi a primeira vez na vida que fizemos isso. Será a última. Não dá para aguentar tanta interrupção, tanto anúncio cretino, e muito menos ter que começar e parar de ver quando o canal mandou.

Os apresentadores da nova MTV


Há sinais de que reacende no Brasil o espírito do rock. Ou o espírito do punk; para mim gritam a mesma coisa. Me vem um cheiro de fumaça da rádio e da tevê. É a volta por cima da 89 FM em São Paulo; a cara de doido de alguns no Rock in Rio; essa comoçãozinha com o fim da MTV. E vejo fogo queimando nas redes sociais, onde rock, a música e a alma, é paixão. Talvez a faísca tenha sido esse momento mágico de junho, quando tudo pareceu possível - para muitos, pela primeira vez - sonhos integrados, pesadelos apocalípticos. Espero que sim. O tempo já cuida de nos amansar. Que os jovens cumpram sua obrigação e ultrapassem os limites do aceitável, do responsável, do construtivo.

Ou talvez eu escreva isso porque é que eu quero ver, e não o que está no meu nariz. Porque vi ontem com alguma emoção o fim da MTV Brasil, uma zona completa. Melhor assim, o prédio inteiro bêbado, todo mundo no olho da rua, VJs tiozinhos lacrimejando, do que algum megashow patrocinado. Foi um final fiel à MTV, ao seu pior e seu melhor, à autocontratulação e à anarquia.

Há espaço e demanda para conteúdo ligado à música, com ataque e ponto de vista. Um exemplo é o do casal Chuck Hipólito e Gaía Passarelli, recentemente VJs da MTV, que lançaram um canal no YouTube pra falar de música. Entendem de música e conversam sobre música, no seu apartamento. Fazem bate-papos usando Google Hangout. Rock doméstico? Produção independente? De novo, por que não?




É só um entre tantos formatos possíveis. Tem tudo na internet, claro. Mas muita gente pode investir seu tempo e dinheiro em conteúdo que tenha o que dizer e dê a cara pra bater. Eu veria um canal de vídeos escolhidos por Fábio Massari, ou as melhores animações segundo João Gordo, pra ficar em velhos roqueiros da MTV. Talvez eu visse... o seu canal, leitor amigo, o seu blog, garota, o seu grupo, turma. O espaço para experimentação é infinito. Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça, todo o poder da internet a seu dispor - ignição. O fim é só o começo.



Fonte: R7.com
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